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28.12.06

A casa-Mondrian 

Mondrian
Pieter Cornelis Mondriaan, mais conhecido como Piet Mondrian, nasceu na cidade holandesa de Amersfoort, no dia 7 de março de 1872. Pisciano, portanto. Morreu em 1º de fevereiro de 1944, em Nova Iorque. Nesse interstício, depois de desistir de ser pastor protestante, participou do modernismo, se engajou no neoplasticismo, publicou em revistas de arte, fez amigos pintores, inventou um estilo. Seus quadros mais famosos lembram agrupamentos de cores aleatórios, muito bonitos. Já viraram vestidos, reproduções, sabonetes do MAM. E uma casa.

W3
Uma das mais tradicionais vias de Brasília, a W3 Sul (West 3, o que significa que é a terceira via do lado oeste do Eixo Rodoviário) tem 16 quadras, alternadass de um lado por comércios decadentes, lojas de tecido, bares bacanas ou pés-sujo e muitas, muitas igrejas, e de outro, o que deveriam ser casas, mas são pensões baratas ou pouzadas (sic) mensais. Ah, e muitas cartomantes.
***
Mondrian e W3 são duas experiências aparentemente irreconciliáveis, mas que se juntaram ante meus olhos ontem, durante um inocente passeio de carro. No meio da W3 Sul, entre várias casas-pensões, saunas gays e pontos de ônibus, eu vi a casa-Mondrian. Cuja fachada lisa e reta, como convém a um quadro 2D, fora azulejada seguindo meticulosamente as linhas retas e as cores daqueles quadros coloridos e famosos do Mondrian. Muito branco, vermelho, amarelo, azul e as linhas negras no meio.
A casa-Mondrian é uma excelente pedida para quem não se contenta em ver arte apenas nos livros ou nos quadros emoldurados. Só traz pequenos problemas para os amantes de uma arte menos retilínea, é claro. Mas sempre é possível decorar sua fachada com Basquiat.

postado por antonina kowalski às 05:33
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22.12.06

ensaio sobre a miopia 

Já não me lembro mais quando meu mundo começou a ficar diferente do mundo do resto. Me lembro, contudo, da primeira vez em que usei óculos em público. Eles tinham um dia e eu havia acabado de quebra-los numa situação embaraçosa. Fui coloca-los para enxergar o joguinho de ilusão de ótica que o palestrante fazia. Só tinha uma lente. Alguns colegas de escola riram. Afinal, era só o que faltava, as armações ovaladas de aro dourado finíssimo para ornar com o aparelho nos dentes e todo o desajuste.
De lá para cá, já quis mudar as armações diariamente, já usei lente e sofri com alergia, mas nunca cogitei operar os olhos.
Porque não considero ser míope uma doença, um mal. No máximo, um desconforto próximo ao desconforto menstrual, que me obriga a dirigir de óculos e a ver televisão com eles (o que sempre requereu cuidados extras na hora de adormecer em frente à tevê). O que eu adoro mesmo é andar sem óculos.
Eu vejo o mundo como ninguém mais. Um mundo dois graus alterado, para menos na acuidade, porém para mais na imaginação. A visão alterada me dá a liberdade de criar o que vejo, fazer pequenas trívias sobre as imagens à frente, socializar com estranhos, perder oportunidades, mas, sobretudo, rir dos meus enganos pueris.
Pueris como confundir uma toalha bege como um corpo nu debruçado na janela; um pé de tênis grande com um pequeno gato; o ônibus certo com o ônibus errado; o amigo com a amiga; a nuvem que tem forma de peixe com a nuvem que tem forma de avião.
O real e o só meu.
Eu, diferentemente da maioria silente e conformada com a normalidade, o comum e o banal, escolhi ver o mundo ao meu feitio exclusivo. Não me arrependo. Sair com fone de ouvido devidamente posicionado, tocando minha trilha sonora particular, sem óculos, me traz a imagem de mim mesma à semelhança dum Tony Manero enfastiado de ácido, numa viagem só dele, à maneira daquele gingado tão só dele.
E no meu ipod também toca beegees.

postado por antonina kowalski às 15:13
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15.12.06

Que mistério ocultará, mulher? 

Quando era menina, colecionava revistas. Numa delas, havia duas listas de mulheres. De um lado, as mulheres “misteriosas”. Atrizes, vips, cantoras e afins que conservavam em torno de si enquanto caminham o fog permanente dos filmes noir, mesmo sem piteira, luvas e um assassino à espreita.
Do outro lado, as mulheres abertas, óbvias. As mesmas atrizes, vips cantoras e afins (ainda não havia, nos idos de oitenta e poucos, modelos-cantoras-atrizes-apresentadores tudo num combo só-peça pelo número, mas a carne é igual) que eram incapazes de esconder um amor, um dissabor, um escândalo.
De cara, mesmo com oito anos, entendi que pertenceria à segunda (e inferior, àquela altura) das mulheres sem segredo. Das mulheres facilmente desvendáveis.
***
Anos depois, as revistas que coleciono já não são as mesmas e pouco falam dos mistérios femininos. Na verdade, pouco falam de mulheres que não sejam mulheres produzidas em algum cinema para encarnar algum roteiro qualquer. Mas a incapacidade de guardar sentimentos e manter irreveladas todas as coisas que assim deviam continuar permanece.
Em mim como em todas. Nunca conheci uma mulher que fosse, de fato, um grande mistério. Nossas armas são velhas e apelam, todas sem exceção, à emoção e aos truques baixos da chantagem. Nossos métodos, idem. Nossa anatomia é dissecada sem dificuldades e cada vez mais.
Estamos aí expostas, à procura de um que nos queira mesmo já sabendo de antemão todos os passos possíveis, presumíveis e imaginados.

postado por antonina kowalski às 04:30
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12.12.06

Qual é o filme? 

Quando eu fiquei sabendo que um moço simpático da faculdade gostava de mim há um ano sem ter coragem de falar, achei que minha vida estava se tornando uma comédia romântica. E torci para ser uma daquelas comédias românticas tradicionais, de final feliz no parque num domingo de sol.
***
Quando eu saí, pela primeira vez, com meu ipod, pela rua, ouvindo sozinha minha música da Bjork, me senti num filme. Qualquer um. Porque eu tinha uma trilha sonora só pra mim. Eu era praticamente Tony Manero andando, ouvindo Bee Gees e gingando, e ninguém mais tinha acesso ao meu mundo.
***
Hoje, quando eu tentava equilibrar minha bolsa de rosas, minha sacola com a nova desventura Baudelaire e o guarda-chuva retumbantemente vermelho de modo a nada se molhar, algo aconteceu que transformou minha vida numa tragicomédia. De repente, num repente, a chuva aumenta, o pé vai em direção à poça e o vento, todo em direção à moça. Encharcada, os óculos cheios de chuva, o colo brilhando de chuva suor sem cerveja, olhei para o alto a tempo de ver o guarda-chuva retumbantemente vermelho virar-se todo, bem na cara da moça que vinha atrás. A escovinha se foi, a paciência se foi, a roupa se molhou, ficou a chuva e Senhorita K., molhada e estrelando uma cena de alguma produção muda que faria as multidões sorrirem. Menos ela.

postado por antonina kowalski às 09:02
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6.12.06

A gloriosa vida de Cosmo 

Quando era pequena, eu tive um peixe dourado. Goldfish. Lindo, gordo e luminoso. Até que um dia papai ou mamãe me deram mais dois peixes. Beijoqueiros, me disseram. Cheguei em casa da escola, talvez numa terça-feira, e encontrei meu dourado sangrando. Enquanto ele se acuava num canto, os dois peixes beijoqueiros, em vez de beijarem um ao outro, o vidro do aquário ou as plantinhas de plástico, beijavam as escamas do dourado. Uma tristeza.
Tiramos o dourado do aquário grande e o colocamos em recuperação.
Três dias depois, o dourado sangrou até morrer. Ainda vi minha mãe despachá-lo lixo abaixo.
Passei muitos anos com aquários e outras tentativas de estimação.
Hoje, morando numa bela caixinha preta branca e vermelha, me parecia muito apetecível ter novamente um peixe. Na última segunda-feira, fui-me ao aviário perto de casa que também vendia peixes e escolhi um dourado bem pequeno, para crescer ao meu lado, me fazendo companhia. Comprei pedrinhas roxas, produtos de limpeza e fui-me, com Cosmo ao meu lado, comprar o almoço (o meu) no McDonalds. Em casa, alimentei, aconcheguei, acomodei o cogumelo de plástico e fui trabalhar.
Cosmo ficou em casa. À noite, antes de dormir, conversei com ele. Troquei algumas idéias a respeito da solidão enclausurada, perguntei como era a vista. Cosmo foi bem atencioso. Deitei-me enlevada pela vigilância e companhia constantes, do peixe dourado acordado na minha mesa de estar.
Na terça, coloquei comida para Cosmo e fui correndo trabalhar. Na hora do almoço, Cosmo morreu.
Fiquei ali, parada, olhando o peixe dourado deitado de lado no aquário, numa posição ilegal à natureza dele. Entristeci. Em apenas um dia, Cosmo me conquistou. Por apenas um dia, Cosmo foi meu amigo.
Em alguns minutos, Cosmo foi dividir a lixeira da casa com o pacote de miojo, a garrafa vazia de vinho, a poeira da sala.
O círculo da vida é mesmo incrível, diria meu pai se eu fosse um leão.

postado por antonina kowalski às 14:24
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